Publicado por Redação em Dental - 30/09/2014 às 10:36:30
Pesquisadora desenvolve novo material para obturação
Em sua tese de doutorado em Endodontia, a pesquisadora da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp), Ceci Nunes Carvalho - orientada pelo professor da Disciplina de Endodontia do Departamento de Dentística da Fousp, Giulio Gavini, e em parceria com a Universidade da Colúmbia Britânica no Canadá – desenvolveu um compósito à base de guta-percha e vidro niobofosfato bioativo como nova alternativa para a realização de tratamento de canal. A pesquisa foi publicada recentemente na revista científica da área, International Endodontic Journal (IEJ).
De acordo com Ceci, o material é utilizado para preencher o canal radicular sem necessidade de uso de cimento, já que é autoadesivo e possui características antimicrobianas, o que o difere dos atuais materiais utilizados e pode potencializar as chances de sucesso do procedimento. “Quando a restauração falha e sofre algum tipo de infiltração, o insucesso no tratamento endodôntico também pode ocorrer, uma vez que a contaminação pode alcançar o sistema de canais radiculares. As falhas acontecem principalmente devido a uma ineficiente restauração da coroa após o procedimento endodôntico ou à demora em restaurar o dente após o término do tratamento. Os erros podem levar a uma recontaminação bacteriana e, consequentemente, ao comprometimento do procedimento e até a perda do dente. Por esta razão, o ideal é que se trabalhe com um material que seja autossuficiente em relação ao selamento e não dependa de outras etapas de tratamento odontológico após o tratamento de canal”.
O compósito desenvolvido é mais fácil de ser utilizado no dia a dia do Cirurgião-Dentista e possui propriedades melhoradas como a capacidade de inibir a formação de biofilme microbiano. Isso porque a associação do vidro niobofosfato bioativo com guta-percha fornece um selamento imediato, posteriormente reforçado pela formação de hidroxiapatita. A liberação de íons fosfato e cálcios livres pode também auxiliar na regeneração óssea durante a cicatrização periapical.
Pesquisa é promissora e mais estudos podem viabilizar seu uso clínico
O professor de Endodontia da EAP APCD Central, Mario Luis Zuolo, esclarece que um novo material de obturação de canais é um requisito fundamental para a especialidade que utiliza há mais de um século a guta-percha em diferentes formulações e em combinação com diferentes cimentos. “O novo material proposto na tese orientada pelo professor Giulio Gavini parece ser promissor e merece novas investigações científicas até que seu uso clínico possa ser indicado. Assim, parabenizo a autora e o professor orientador pela iniciativa pioneira".
Também professora de Endodontia da EAP APCD Central, Marina Tosta destaca que a obturação tridimensional do sistema de canais radiculares constitui um dos maiores desafios da Endodontia, devido à complexa anatomia e as características peculiares do substrato dentinário radicular. “E, apesar das evoluções na área de materiais dentários, a guta-percha associada a um cimento endodôntico permanece, há 150 anos, como material de escolha para obturação. A busca por materiais com propriedades que apresentem melhores resultados é louvável e deve ser sempre incentivada. A incorporação de biomateriais como vidro niobofosfato contendo cálcio e sódio à guta-percha parece ser promissora. A pesquisa de doutorado mostrou que essa guta-percha experimental, utilizada sem cimento, obteve resultados de resistência adesiva similares a guta-percha convencional + AH Plus, cimento considerado padrão ouro pela literatura. Clinicamente, a incorporação do vidro niobofosfato contendo cálcio e sódio à guta-percha, apresentaria vantagens como a possibilidade de obturar o sistema de canais na presença de umidade, além da formação de hidroxiapatita na interface dentinária radicular. Contudo, estudos clínicos prospectivos randomizados precisam ser realizados para que a utilização desse material torne-se uma realidade clínica”.
Resumo do estudo
Foi avaliado a resistência de união à dentina radicular do compósito experimental, da guta EndoSequence BC, ambos sem o uso de cimento além do cimento AH Plus associado a guta-percha através do ensaio de μpush-out. A análise dos padrões de fratura foi realizada com auxílio de MEV, enquanto para verificar a composição e distribuição das partículas de vidro na superfície e no interior da matriz de guta-percha dos materiais testados foi utilizado análises EDX and MEV-EDS. Além disso, os resultados foram observados estatisticamente pelos testes ANOVA e Tukey, sendo considerado significante quando p < 0,05”, detalha a pesquisadora Ceci.
Também foram avaliados a influência do compósito experimental, do vidro niobofosfatos bioativo, diferentes tipos de guta-percha e hidroxiapatita na adesão e formação de biofilme por bactérias orais com coloração Live/dead usando um microscópio confocal a laser. O biofilme multi-espécies foi formado na superfície de discos de hidroxiapatita-HA, vidro niobofosfato-VNB, guta-percha Obtura-OBT, guta-percha Protaper-PTP, EndoSequence BC guta-percha-GBC e o compósito experimental guta-percha associado com o vidro niobofosfato-GNB.
O biovolume total (mm3), biovolume de bacterias viáveis (mm3), e porcentagem de bactérias viáveis (%) foram quantificados. As diferenças entre os grupos foram avaliadas usando ANOVA de dois fatores e teste de Tukey para contraste de médias (?=0,05). Os materiais testados foram imersos em PBS e o pH das soluções foi avaliado. Os materiais foram imersos em água deionizada e as soluções foram analisadas em ICP-OES (Espectrometria de emissão atômica por plasma acoplado indutivamente) para determinar a liberação de diferentes elementos químicos. AH Plus e o material experimental não mostraram diferença estatística significante na resistência de união à dentina (2,83 MPa e 2,68 Mpa, respectivamente). Já o material Guta EndoSequence BC apresentou o menor valor de resistência de união (1,34 MPa) com diferença estatística significante em comparação aos demais grupos (p < 0,05). Os grupos GNB, GBC e VNB apresentaram os menores valores de biovolume total em 30 dias. Os maiores valores de biovolume viável em 30 dias de incubação em ordem decrescente foram: HA; PTP e OBT; GBC e VNB e finalmente GNB.
Com relação à porcentagem de biovolume viável, o material experimental GNB apresentou os menores valores para 3 e 30 dias enquanto o VNB apresentou o menor valor para 14 dias com diferença estatisticamente significante em relação aos demais grupos (p < 0,05). O material experimental GNB apresentou o maior valor de pH após 30 dias de imersão em PBS e maior liberação de Zn em todos os períodos analisados quando comparado aos demais grupos e maior liberação de Ca aos 14 e 30 dias semelhante ao grupo GBC, o qual liberou mais Si comparado aos demais grupos nos períodos de 14 e 30 dias. O material obturador experimental mostrou habilidade em aderir à dentina radicular de maneira similar à obturação convencional com guta-percha e cimento (Ah Plus) e foi capaz de inibir a formação de biofilme microbianos quando comparado a HA e guta-percha convencionais.
Fonte: APCD