Publicado por Redação em Gestão do RH - 10/11/2020 às 16:20:30
O RH que conhecemos morreu
O recado não poderia ser mais direto: esqueça o RH que você conheceu. A caminho da Revolução 5.0 ele não faz mais sentido. Essa é a avaliação feita de forma extrema e brutalemente honesta do darwinista digital Carlos Piazza – e são esses advérbios que ele usa para reforçar sua posição. Para ele, cabe à área de recursos humanos, a partir de agora, levar para as empresas as pessoas certas para promover a aceleração desse futuro, para antecipar mudanças.
Piazza, que também é um nexialista e futurista, defende que o RH deverá ser cada vez mais uma área altamente transversal em todas as empresas. “Creio que estaria nas mãos dela, junto com os padrões de governança, a modelagem desses novos universos, trabalhando para termos empresas com respostas ultra ágeis dentro daquelas expectativas que temos do customer centricity, por exemplo”, diz ele, que foi um dos palestrantes de destaque da edição especial digital do CONARH. E a área pode ir além, segundo ele: poderia contribuir bastante para a dissolução da ideia de que as empresas têm de calcular o ROI. “As empresa, hoje, têm de calcular o ROT e o ROX”, destaca Piazza, que também é fundador da CPC, uma empresa focada em negócios digitais, disrupção, aceleração digital e seus impactos na sociedade.
NÃO EXISTE INTELIGÊNCIA COMPARTILHADA SEM CONFLITO. APONTE UMA ÚNICA EMPRESA QUE GOSTE DE ESTABELECER CONFLITO; EM GERAL, AS ORGANIZAÇÕES ACHAM QUE ISSO É DANOSO
Digital, físico e biológico. O mundo está cada vez mais fundido (e confundindo muitos). Como essa convergência, nesse mundo VUCA (e não mais na teoria), tem impactado as empresas?
Essa é a base da Revolução 4.0 e estamos indo a passos firmes para a 5.0. Na realidade, quando falamos desse mundo VUCA, vemos coisas absurdas acontecerem – e esse mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo surge de um conceito de globotics, que é a conjunção de tecnologia no mundo inteiro, quando ela passa a ser democratizada. Isso faz com que os modelos que usamos nas empresas, que vêm da segunda revolução industrial, sejam colocados em xeque. Faço questão de frisar isso: as empresas que conhecemos, tirando algumas e pouquíssimas starups, trabalham nos modelos da segunda revolução industrial, lá de 1850. Elas continuam fazendo tudo igual. Foi justamente nessa segunda revolução que apareceram as hierarquias, as especialidades e tudo o que conhecemos das organizações que hoje são monolíticas e extremamente lentas, piramidais, muito atrasadas na forma de adotar novas tecnologias, de olhar contribuições. E o que acontece é que o mundo exponencial, hoje, coloca as empresas cada dia mais em xeque por causa dos novos modelos de negócios que estão se aproximando de plataformas.
E os impactos no RH?
Tudo isso afeta o RH. Na realidade, a forma com que as pessoas têm de pensar não é mais para manter o status quo, mas justamente para romper o status quo, e parece que, nas empresas, não há quem pense em futuro. E por que o futuro, o pensamento do futuro, ficou tão premente? Porque, ao olharmos as curvas exponenciais que temos pela frente, percebemos que não dá para responder com lentidão. Precisamos dar soluções radicais. Acontece que as estruturas feitas em hierarquias e especialidades rompem uma necessidade violentíssima que é a diversidade como elemento da inteligência compartilhada. E isso as empresas não conseguem fazer porque elas se preocupam em competir quando, na realidade, têm de ir para o mundo da altíssima colaboração. Quando falamos, hoje, que o RH fica um pouco atrás, principalmente considerando a área como sempre a conhecemos, vemos que ela seria o principal responsável por trazer pessoas para promover a aceleração de futuro, justamente para equipar e equiparar as empresas para que aquilo de que elas precisam fazer hoje – que é antecipar mudanças. A visão do darwinismo digital faz com que tenhamos de olhar o nível de adaptabilidade possível. Como as empresas não conseguem fazer isso com muita facilidade, elas acabam se “oxidando” gradualmente. Todo dia elas “oxidam” um pouco e vemos que a noção de adaptabilidade está ficando cada vez mais para trás. Primeiro porque a quinta revolução industrial vai impor, para todas as empresas, uma convergência homem/máquina: os humanos fazendo papel de humanos e máquinas fazendo o papel de máquinas, cada um no seu lugar. E só há duas coisas que salvam o ser humano no meio desse caminho de altíssima tecnologia globalizada: pensamento crítico e análise da ambuiguidade. Todo o resto é papel da máquina. Portanto, se o ser humano está deslocado, fazendo o papel de máquina, está tudo errado! O RH acaba compactuando um pouco com isso e vejo que não há futuro muito proeminente para isso continuar existindo. Bem mal educadamente, creio que o RH se deslocou um pouco, ele não consegue dar sentido crítico para isso.
NÃO EXISTE INTELIGÊNCIA COMPARTILHADA SEM CONFLITO. APONTE UMA ÚNICA EMPRESA QUE GOSTE DE ESTABELECER CONFLITO; EM GERAL, AS ORGANIZAÇÕES ACHAM QUE ISSO É DANOSO
Como a tecnologia pode ajudar mais o RH a cuidar melhor do humano e como ele, RH, pode ficar longe de ser um refém dela (tecnologia)?
Falar de transformação digital é falar de gente, nunca de tecnologias. Tecnologias nunca foram uma finalidade em si, elas são meios pelos quais podemos olhar a transformação da sociedade e, por meio da transformação da sociedade, a modificação e a transformação também das economias. Na convergência homem/máquina, se estabelece um ritmo em que temos de olhar que só há tecnologia, e ela é muito abundante. Mas é preciso, de alguma maneira, fazer com que uma empresa seja extremamente liquída, agil, capaz de dar uma resposta para os desafios radicais (que têm de ser enfrentados também com soluções radicais) em um mundo de permanente mudança. Começamos a ter lógicas complexas demais porque começamos a ver ou ter efeitos de causas não aparentes. Assim, precisamos ter quatro formas para poder reagir. Uma darwinista digital, justamente para ter a noção de quanto uma empresa pode ser adaptável. Outra, futurista, que trata da capacidade que eu tenho ou não de trazer a antecipação dos futuros para que eu não “oxide” quando eu tiver de enfrentá-los de frente – é possível para fazer uma antecipação, o futuro não vem do além, modelamos o futuro provável e podemos escolher o futuro preferível. Além disso, é importante que as pessoas sejam polímatas. Hoje, o segredo não está em uma única especialidade, dependo de todas – assim, preciso me aproximar violentamente de pessoas polímatas que circulam com alguma facilidade entre várias ciências ao mesmo tempo. Por isso que eu sempre falo: quanto mais tecnologia estudo, mais tenho de mergulhar na filosofia, na antropologia, na psicologia. A hipermodernidade é feita de muitos ângulos que estão muito longe da análise de uma única especialidade. Por fim, há a forma nexialista, quando tenho de deixar o meu cérebro muito quieto para conseguir olhar de cima e entender o nexo entre as coisas.
E como fica a diversidade nessa conversa?
Como eu tenho um mundo VUCA, que estabelece uma série de impactos em vários lugares, é preciso de diversidade, pois ela ajuda a fazer a inteligência compartilhada. Tenho de olhar a forma com que conecto tudo isso para trazer pessoas com muita autoridade, com muita influência e com muita maturidade para dissolver esses nós que são os problemas que temos. Tudo isso, hoje, vem com sprints rapidíssimos; os grupos diversos se reúnem, dissolvem essas questões de base e voltam a olhar o ecossistema. É preciso ter capacidade de cálculo, capacidade de simulação. Para você ter uma ideia, hoje, as máquinas já conseguem fazer cerca de 200 quatrilhões de cálculos por segundo. Não dá para manter pessoas fazendo isso. Então, na base da convergência digital, o que é que você faz? Entrega para as máquinas tudo aquilo que você amou fazer no lugar delas e vá trabalhar na inteligência compartilhada. Tudo o que uma empresa precisa, hoje, é de conflito – para ver de que maneira as pessoas podem contribuir. Confronto nunca, conflito sempre. Não existe inteligência compartilhada sem conflito. Aponte uma única empresa que goste de estabelecer conflito; em geral, as organizações acham que isso é danoso.
Como vê o RH daqui para a frente? Quais os principais temas que ele vai ter de capitanear?
Sou extrema e brutalmente honesto por falar algo que apavora um pouco todo mundo. Particularmente, creio que o RH morreu. A forma que conhecemos o RH não tem mais o menor sentido. No entanto, ele possui algumas características que, acredito, ainda podem permanecer como uma espécie de colaboração extremamente positiva, que é o fato de o RH ser o grande organizador do pensamento complexo, capaz de ajudar a empresa a reagir neste novo meio quando tudo muda o tempo todo. Estamos assistindo à transformação das sociedades 5.0 e da vida 3.0. A vida 3.0 é a vida humana no melhor da confluência de Inteligência Artificial (IA). Isso já está sendo considerado como uma segunda eletricidade. A IA ainda está em uma camada inicial, muito restrita, mas caminhamos para uma super IA e com todos os problemas que isso acarreta em relação à ética, à transparência, ao uso ético de tecnologias. Porque sabemos que tecnologias não precisam de ética nenhuma. Precisamos entender que quem precisa de ética e transparência é a sociedade dos humanos. E como vejo o RH colaborando com isso? Sendo uma área altamente transversal em todas as organizações do mundo inteiro. Creio que estaria nas mãos dela, junto com os padrões de governança, a modelagem desses novos universos, trabalhando para termos empresas com respostas ultra ágeis dentro daquelas expectativas que temos do customer centricity, por exemplo. O RH também poderia contribuir bastante para a dissolução da ideia de que as empresas têm de calcular o ROI. As empresa, hoje, têm de calcular o ROT [retorno sobre a confiança, trust em inglês] e o ROX [retorno sobre a experiência]. Porque, na realidade, o ROI vem da ideia de proteger o capital. Mas estamos caminhando para as novas economias da fluxonomia 4.0, que são a economia circular, a criativa, a economia compartilhada e as plataformas de multimoedas. Vemos que as economias estão mudando, “oxidando” também um pouco a questão do capitalismo, que também já entra numa fase de bastante enfraquecimento. Proteger o capital em um sistema de produção faz sentido, mas em um sistema de distribuição em que a tecnologia permite uma hipercustomização radical, é preciso pensar em como criar valor e não ambientes de alta produção. E quando tenho de criar valor, o RH pode contribuir muito para que exista um novo paradigma de empresa. Assim, reafirmo que o RH do jeito que conhecemos morreu, ele não tem mais sentido.
Fonte: Revista Melhor