Publicado por Redação em Previdência Corporate - 21/09/2016 às 10:53:00
Isenção de IR-fonte estende-se à tabela regressiva da previdência privada
Por Igor Mauler Santiago
No XX Congresso Internacional de Direito Tributário da Abradt, ocorrido semana passada em Belo Horizonte, fiz diante de 700 pessoas uma homenagem póstuma a Alberto Xavier, louvando-lhe a inteligência, a cultura, a fidalguia, a joie de vivre, o humor.
Em 2001, pela mesma associação, promovemos um seminário na Ilha de Comandatuba. Nunca houve igual fracasso de público! Éramos praticamente só os conferencistas, logo irmanados em polêmicas arcanas e intermináveis pelos bares do hotel. Foi ali que, num átimo, me tornei amigo do magnífico professor, a cuja memória (agora custodiada por seus sócios Roberto Duque Estrada e Renata Emery) dedico esta coluna.
Vamos ao tema. Os benefícios pagos pelas entidades de previdência privada (seguradoras ou fundos de pensão) sujeitam-se, à escolha do participante, ao imposto de renda das pessoas físicas segundo os regimes progressivo ou regressivo.
No primeiro, à semelhança do que ocorre para a previdência pública, os valores recebidos sujeitam-se à retenção de IR-fonte e são mais tarde levados a ajuste na declaração anual do beneficiário, influindo no cálculo do imposto devido e da complementação ou da restituição cabíveis.
No segundo, regido pela Lei 11.053/2004, os valores recebidos têm tributação definitiva na fonte, submetendo-se a alíquotas que regridem de 35% a 10% à medida em que aumenta o intervalo entre o aporte da contribuição e o recebimento do benefício.
Acresce que, “sem prejuízo da parcela isenta prevista na tabela de incidência mensal do imposto”, são isentas do IRPF as aposentadorias e pensões recebidas por contribuintes com idade superior a 65 anos, até o teto mensal de R$ 1.903,98 (Lei 7.713/1988, artigo 6º, inciso XV).
Sempre se entendeu que essa isenção contemplava todos os filiados da previdência privada — quanto à pública jamais houve dúvida. Na prática, isso levava a que os seus benefícios só sofressem IR-fonte no que superasse R$ 1.903,98 por mês, qualquer que fosse o regime de tributação por que tivessem optado. Nesse sentido, a doutrina de Fábio Junqueira de Carvalho e Maria Inês Murgel[1], bem como manifestação da Receita Federal (Solução de Consulta DISIT/SRRF09 148/2013).
Porém, em 2014, a Receita editou a Solução de Consulta Cosit 337, afirmando que a isenção não alcança os benefícios privados sujeitos ao regime regressivo. De saída porque, a teor do artigo 19 da Instrução Normativa SRF 588/2005, no cálculo do IRPF “devem ser observadas, no que couber, as disposições relativas a isenção... independentemente da opção pelo regime de tributação efetuada pelo participante”.
Enquanto os contribuintes — e a própria Receita, na consulta anterior — enfatizam a parte final da regra, concluindo que não há diferença, para efeito de isenção, entre os regimes progressivo e regressivo, a Cosit ressalta agora a cláusula “no que couber”, que interpreta como um óbice à extensão automática do favor a este último, na medida em que submetido a um regramento fiscal próprio.
E tal extensão, segue o Fisco, estaria expressamente vedada pelo próprio artigo 6º, inciso XV, da Lei 7.713/1988, segundo o qual a isenção vem “sem prejuízo da parcela isenta prevista na tabela de incidência mensal do imposto" — o que a limitaria ao regime progressivo (pois é só neste, recorde-se, que haverá incidência na fonte segundo a tabela mensal).
Ora, dizemos nós, afirmar que uma isenção vem sem prejuízo de outra significa que ambas são diferentes e que podem coexistir uma independentemente da outra, dando um duplo benefício ao contribuinte. E não, como pretende a Receita, que aquela primeiro referida no texto limita-se, reconduz-se, funde-se à (ou confunde-se com a) outra.
Invoca ainda a Cosit os artigos 25, parágrafo 1º, alínea b, da Lei 7.713/88 e 4º, inciso VI, da Lei 9.250/95, que, ao disciplinarem a retenção de fonte segundo a tabela mensal, reiteram a isenção parcial. Face a tais dispositivos, conclui que o benefício só seria aplicável em tal contexto.
A inversão lógica é manifesta. Com efeito, afirmar que uma norma incide em determinada situação não autoriza a conclusão de que ela só incide naquela hipótese. Se as regras são específicas para a retenção segundo a tabela mensal, o fato de silenciarem a respeito de matéria estranha (a isenção nos casos de tributação exclusiva na fonte) não autoriza nenhuma ilação a respeito desta.
Alude também a Cosit ao artigo 8º, inciso I e parágrafo 1º, da Lei 9.250/95, segundo os quais não integram a base de cálculo do IRPF (i) os rendimentos tributáveis exclusivamente na fonte e (ii) a parcela isenta dos benefícios recebidos por maiores de 65 anos.
O raciocínio, não explicitado na nova consulta, chega a ser difícil de divisar. Mas parece consistir no seguinte: (a) se os benefícios sujeitos à incidência regressiva estão fora da base de cálculo do IRPF (visto serem tributados exclusivamente na fonte), (b) a parcela isenta mencionada no parágrafo 1º só pode ligar-se aos benefícios submetidos à incidência progressiva – o que significaria (c) que os primeiros não gozam da isenção.
As premissas a e b são corretas. O parágrafo 1º não teria por que excluir da base de cálculo do IRPF a parcela isenta dos benefícios sujeitos à incidência regressiva, se o valor integral destes já o foi pelo inciso I. Mas isso nada diz sobre a aptidão destes para o gozo da isenção parcial.
Vale dizer, com ou sem isenção desses benefícios, as regras do inciso I e do parágrafo 1º permaneceriam inalteradas, o que demonstra o caráter arbitrário da conclusão c.
Por fim, voltando à ideia de duplo benefício ao contribuinte acima enunciada, traz a Cosit a sua objeção mais impactante: imagine-se uma pessoa que receba aposentadoria do INSS e complementação de um fundo de pensão (o que é a situação padrão dos filiados às entidades fechadas de previdência complementar), no valor de R$ 1.903,98 cada.
No regime progressivo, esta pessoa receberá ambos os benefícios sem retenção alguma, pois não superam o valor isento. Mas, segundo a Cosit (caso 1), terá de tributar na declaração R$ 1.903,98 quanto a cada mês, pois fará a soma dos dois valores e terá a isenção limitada a R$ 1.903,98 mensais (como prevê o artigo 8º, parágrafo 1º, da Lei 9.250/95).
Já no regime regressivo, na visão da Cosit (caso 2), a isenção se aplicará apenas ao benefício público, havendo retenção definitiva sobre os valores pagos pelo fundo de pensão. A importância retida a cada mês variará segundo a alíquota aplicável, a qual – como visto – dependerá do chamado prazo de acumulação.
Se a isenção alcançasse também o benefício privado no regime regressivo (caso 3), o contribuinte gozaria de uma franquia de R$ 3.807,96 por mês, pois esse rendimento não será levado a ajuste anual; só o outro o será, e fruirá sozinho da isenção.
Ou seja: ao ver da Cosit, apenas a sua interpretação garante isonomia, no sentido de limitar a isenção à base de R$ 1.903,98 por mês em qualquer das sistemáticas.
Contudo, o erro está em desconsiderar, no caso 1, a isenção da tabela mensal de incidência, que tem o mesmo valor e que, segundo a lei, não é prejudicada por aquela específica das aposentadorias. Levando-se em conta essa outra franquia, o contribuinte também fará jus à isenção de R$ 3.807,96 por mês, fazendo-se a equiparação “por cima”, e não “por baixo”, como defende a solução de consulta. Esta, sem dúvida, é a interpretação correta.
A nova exegese do Fisco, não tendo respaldo na lei, como se viu acima, e violando a isonomia – por reduzir a isenção total de que goza o optante do regime regressivo, que fica sujeito no mínimo à tributação de 10% dos seus benefícios de fonte privada inferiores a R$ 1.903.98, contra zero do optante do regime progressivo, que se valerá da isenção genérica da tabela mensal de incidência – deve ser revista administrativamente ou censurada pelo Judiciário, caso impugnada pelos contribuintes a quem prejudica.