Publicado por Redação em Gestão do RH - 05/10/2021 às 18:48:00
Férias? Até quero, mas não conte para ninguém!
“Ah, moço, tem tanta coisa por aqui, não dá nem pra tomar um café. Se eu pedir férias eu levo um chute.”
Mesmo que a frase tenha terminado com uma risada por parte de Ramiro dos Santos (nome fictício, para proteger a identidade do profissional), atendente de um movimentado barzinho na região do Grande ABC, em São Paulo, não é tão engraçado pensar em um problema que ainda é frequente no mercado de trabalho: o medo de tirar férias.
Santos trabalha no estabelecimento há 1 ano e 7 meses, seis dias por semana, tem carteira assinada e, até então, não tirou férias. Do atendimento à limpeza, o jovem de 24 anos não esconde que a rotina é cansativa e tem ciência de que possui férias vencidas, contudo, o assunto sequer é tratado com seus superiores. “Deixo que eles [os chefes] decidam. Não quero problema para o meu lado”.
A visão de férias como um “problema” está longe de ser incomum. De acordo com a psicóloga e recrutadora Flávia Ferreira, há várias circunstâncias que justificam que as pessoas evitem se desligar do trabalho. O medo de um eventual desligamento é, segundo ela, a principal.
“Sabe a famosa frase ‘ninguém é insubstituível?’, pois bem, quando as pessoas estão para entrar de férias ou para fazer o pedido, parece que ela chega com tudo em nossa mente. As pessoas têm a sensação de que estão deixando o chefe na mão, de que férias representa falta de comprometimento, desmotivação, má vontade e afins. A nossa cultura faz do descanso uma culpa. As pessoas se veem e são muito vistas pelo trabalho, portanto, elas têm medo de serem julgadas, de serem substituídas ou do patrão identificar que elas não fazem tanta falta assim”, pontua.
Como lidar com o medo das férias?
Segundo uma pesquisa realizada em 2014 pela ISMA-BR, associação dedicada a estudar o estresse e seus efeitos, 41% dos profissionais brasileiros têm medo de pedir férias. Santos, em nenhum momento se utiliza da palavra medo, mas deixa no ar a nítida preocupação em sofrer represália por um eventual pedido de descanso. “O bar costuma lotar de noite e não tem tanta gente que trabalha aqui. Se pedir férias os patrões vão achar o quê? Que é brincadeira, não é?”, diz.
De acordo com Flávia, ainda há, infelizmente, empresas nas quais os líderes não veem com bons olhos o pedido de férias, um cenário que precisa mudar, inclusive, para que a empresa tenha colaboradores mais engajados e produtivos.
“Há empresas que contratam pessoas esperando o trabalho de máquinas. As pessoas cansam, tanto que ⅓ dos profissionais brasileiros têm burnout, a síndrome que leva as pessoas ao limite do estresse na atividade laboral. O que esses gestores precisam entender é que as férias não só são um direito do colaborador, como também, por mais que pareça clichê, o momento de recarregar as baterias, dele ter tempo para si, para a família, para lazer, hobbies, e assim conseguir descansar emocional e fisicamente. É extremamente necessário que empregadores e empregados tenham uma boa comunicação e que as férias, desde sempre, estejam envolvidas no planejamento de trabalho. Não se pode fazer de um direito previsto em lei um tabu. Conversem, organizem a data, o momento. É preciso abolir essa cultura que faz o profissional ter medo de exercer o seu descanso remunerado”, salienta.
Flávia deixa claro, também, que é importante o colaborador pensar em suas férias com antecedência para que, mesmo que ele não consiga tirá-las no momento desejado, ao menos não tenha surpresas desagradáveis ou se perca na organização econômica.
“Não tire férias para se estressar mais do que descansar. Planeje com cuidado o quanto será destinado a viagens, compras, lazer e afins e o que precisa ficar guardado. Tente não começá-las com pendências importantes no trabalho, o que pode gerar uma preocupação a mais. Deixe tudo alinhado e resolvido para que, de fato, você possa desligar a mente da empresa nos dias de descanso.”
O problema não está só no receio!
De acordo com a psicóloga, as chamadas pessoas ‘workaholics’ também não apresentam facilidade para ‘desplugar’ um pouco do trabalho. Na pesquisa realizada pela ISMA-BR, eles representam 17% dos respondentes. Flávia explica que é natural este público, mesmo durante as férias, levar o notebook nas viagens para acompanhar, mesmo de longe, como está a empresa. Mais do que isso, se envolvem diretamente, mandam mensagens dizendo que estão à disposição, adiantam trabalho, ou seja, não param.
“Aqui nós temos que quebrar outro paradigma: ser workaholic não é algo bom. Esqueça o ‘trabalhe enquanto eles dormem’, pois é extremamente irresponsável venderem essa ideia. Os momentos de lazer e descanso são muito importantes e necessários. Quanto mais seguimos em um ritmo ininterrupto, o que vemos muito, por exemplo, em pessoas que buscam promoções ou algo do gênero, mais nos estressamos, menos produzimos e ainda corremos o risco de ficarmos mais ansiosos, irritados, frustrados e desmotivados. Nenhum excesso faz bem e o de trabalho não é exceção”, elucida a especialista.
A lógica vale também para profissionais que não são CLT. Os PJs/freelancers podem, não necessariamente, ter uma programação de férias semelhante aos celetistas. E por não terem um emprego fixo, a dificuldade para parar por um intervalo de dias pode ser complexa, especialmente àqueles – essa parte inclui todos os perfis profissionais – que estão imersos em ambientes de alta competitividade. A orientação é para que ao menos se respeite uma jornada de trabalho saudável, buscando a flexibilidade para poder controlar o tempo da vida pessoal e o tempo para as tarefas do negócio.
O que diz a Lei?
Segundo a CLT, todo empregado com carteira assinada tem o direito a 30 dias de férias a cada ano completado. As férias podem ser gozadas em até três períodos do ano dividindo os 30 dias, desde que ao menos um deles não seja inferior a 14 dias de descanso seguidos.
Para cenários mais complicados – necessidade da empresa ou funcionário que precisa de um dinheiro extra para as contas -, a legislação permite o abono de férias, a popularmente chamada “venda”. Porém, ele não pode ser superior a ⅓ das férias, ou seja, o limite de dias “vendidos” é dez.
A remuneração das férias soma um salário mensal do colaborador com ⅓ do valor total do mesmo. Se há horas extras no pacote elas devem estar inclusas. Além disso, o aviso de férias deve ser entregue ao colaborador ao menos 30 dias antes de seu descanso ter início, com o pagamento sendo feito até o prazo de dois dias antes do período de férias começar.
Vale destacar também que, por lei, o colaborador tem direito a férias em dobro caso o empregador não as conceda nos 12 meses subsequentes ao respectivo período aquisitivo. Em outras palavras, o bar onde atua Santos, personagem que gentilmente concordou em fazer parte da nossa matéria, deve começar a se atentar.
Por Bruno Piai
Fonte: RH PRA VOCÊ