Publicado por Redação em Gestão do RH - 16/03/2021 às 11:16:37
Cartilhas de diversidade fortalecem debate contínuo em empresas
Diversidade e inclusão têm sido pauta recorrente nas empresas, mas já não basta só promover o debate em palestras ou encontros em datas comemorativas. Para mudar o pensamento e comportamento das equipes, as companhias apostam em cartilhas didáticas para uso contínuo. Mais do que enviar um arquivo por e-mail ou distribuir o material impresso, a iniciativa serve de guia para estimular mais discussões internas, naturalizar o tema e torná-lo uma constante.
Geralmente, os materiais são construídos de forma coletiva por grupos de diversidade já existentes nesses espaços. Consultorias especializadas também podem ser chamadas para analisar o ambiente e propor soluções. Mas comunicar um tema importante, por vezes complexo e sensível, tem seus desafios. As estratégias, então, são usar linguagem próxima do bate-papo, cores instigantes e imagens representativas. Um trabalho de conscientização prévio também se faz necessário em algumas ocasiões.
Na indústria química Basf, a Cartilha de Diversidade & Inclusão (confira PDFs das cartilhas ao fim desta reportagem) foi lançada em outubro do ano passado para os cerca de 6 mil colaboradores da empresa na América do Sul. Embora haja especificidades sobre o tema em cada país, o material é único e fala sobre o assunto de maneira universal. Com provocações e dicas práticas para o diálogo, o material estimula as pessoas a refletirem e pensarem como podem contribuir para melhorar o relacionamento entre si, seja nos pequenos espaços de trabalho ou nas relações com a comunidade e fornecedores.
“A cartilha é uma ferramenta essencial de suporte para as lideranças na condução de conversas. Não é um tema novo na Basf, mas muitas vezes as pessoas querem falar a respeito e não sabem como. A cartilha deu tranquilidade, nos orientou a como abordar temas que, para quem não está nesse mundo, é difícil, causa insegurança”, conta Patrick Silva, de 45 anos, diretor do complexo químico da Basf em Guaratinguetá e de infraestrutura para a América do Sul.
Ele lembra que, em determinada situação, teve receio de indicar quem seriam as embaixadoras dos grupos de afinidade da empresa, mas aos poucos foi conversando e aprendendo. “Hoje, falo com mais segurança, porque são temas que fazem parte do nosso dia a dia.” A cartilha também fez com que o tema saísse desses núcleos. Agora, todas as pessoas, incluindo quem trabalha no operacional da fábrica, participam e interagem melhor. “Faltava conhecimento”, ele resume.
Karina Chaves, gerente de diversidade e inclusão da Basf América do Sul, explica que o material ajuda a “ampliar a consciência sobre o que é diversidade e inclusão, como se relacionar de forma mais justa e como voltar nessas conversas”. Se antes alguém preferia ficar quieto para não discutir ou com medo de ofender alguém, agora se manifesta com consciência. “Inclusão é, de fato, responsabilidade de todas as pessoas”, ela diz.
Além de enviar a cartilha completa em PDF por e-mail e WhatsApp, o time criou cards e pílulas para cada um dos temas abordados no guia. São eles: diversidade de gênero, racial, sexual, etária, pessoas com deficiência e imigrantes. Esses conteúdos menores são frequentemente compartilhados numa rede social interna e entre os líderes para incentivar conversas. “Se não falarmos o tempo inteiro, volta a ser o padrão anterior”, diz Karina. Há, ainda, ações práticas e a ideia de, em breve, montar um treinamento, a partir do material, para todos que chegarem à empresa.
Segundo ela, o papel dos líderes foi fundamental para a construção da cartilha e continua sendo para a perpetuação dela. Aqueles que estão à frente dos grupos de afinidade da empresa opinaram sobre o que deveria estar no material. “A gente precisa muito do apoio do líder, porque, se ele não tiver feito a leitura, não souber que ela existe e não usar, não vai fazer sentido.” Na outra ponta, conta também a participação de funcionários e colaboradores. O papel deles, afirma Karina, é de responsabilidade.
O mercado de trabalho ainda deixa a desejar quando o assunto é diversidade e inclusão. E a pandemia trouxe um cenário mais crítico. A participação feminina alcançou o patamar mais baixo dos últimos 30 anos e ficou em 46,3% no segundo trimestre de 2020. Já a desigualdade racial nos postos de trabalho bateu recorde.
O Sua Carreira também perguntou aos integrantes do grupo de discussão no Telegram se havia mulheres e/ou negros em cargos de liderança onde eles trabalham. De 99 respondentes, 36% disseram que “sim, mas não chega a 10%” enquanto 23% afirmaram que não tem.
“Quanto mais a gente tem conhecimento, poder, se apropria de temas que não conhecia, quando a gente abre os olhos para coisas que não via, tem mais responsabilidade”, diz. Nesses poucos meses de implementação, o material tem tido bom retorno. Mais de 30 diálogos já foram iniciados e a sensação é de que há um direcionamento melhor. “As pessoas se sentem mais confortáveis quando vão falar de algo de diversidade e inclusão.”
Racismo e violência contra a mulher
Em novembro do ano passado, o Programa de Diversidade do Sistema Fecomércio-RS/Sesc/Senac lançou duas cartilhas voltadas para o público interno sobre racismo e violência contra a mulher. Enquanto o 'Vamos Repensar Nosso Vocabulário? Racismo Sutil' (veja PDF ao fim da reportagem) busca eliminar termos racistas comumente usados, o 'Violência Contra as Mulheres - Vamos Juntos Acabar com o Abuso' traz a explicação de conceitos e direcionamentos para quem é vítima, agressor ou conhece alguém nessa situação.
Na instituição, o tema da diversidade é trabalhado desde 2018, mas as ações ficavam concentradas no RH. Em 2020, foram criados comitês para cada um dos cinco pilares que formam o programa: ParaElas (igualdade de gênero e a não violência contra as mulheres), Cidadania (respeito às deficiências e reconhecimento das eficiências), Humanidade (questões étnico-raciais), Igualdade (não discriminação e igualdade LGBT+) e Gerações (famílias, infância e envelhecimento).
Agora, os colaboradores podem se inscrever e atuar onde se sentem confortáveis e foram deles que nasceram as cartilhas. “Ninguém imagina que ‘judiar’ vem de ‘judeu’, porque o termo entrou no nosso linguajar, e é importante a gente falar sobre isso para parar de reproduzir padrões. É preciso conscientizar sobre isso para promover uma sociedade mais justa e igualitária”, afirma Elizabeth Carvalho, gerente de recursos humanos do Sistema Fecomércio-RS/Sesc/Senac.
Mais uma vez, o conteúdo é produzido coletivamente e os gestores têm o compromisso de discuti-lo com suas equipes. Ao mesmo tempo, quem participa dos comitês torna-se um agente multiplicador. Em paralelo ao material, há indicação de filmes temáticos e realização de palestras com pessoas que são referência. “Se a gente não promover esse tipo de discussão e reflexão, não consegue mudar o modelo de cultura que temos.” A diversidade não é só tema como faz parte da instituição, uma vez que nas empresas que compõem o sistema, 60% dos funcionários são mulheres.
“Queremos que as pessoas se conscientizem que diversidade é importante, porque isso enriquece o grupo. Mas, para isso, tem de ter lideranças e multiplicadores habilidosos. Se tratarmos o assunto com a delicadeza que ele merece, tem mais sucesso, porque não é uma pauta a ser imposta, mas conquistada”, diz Elizabeth.
A gerente de RH já enumera os resultados: colaboradores assumindo suas diversidades que antes não enxergavam, líderes e equipes mais conscientes, clientes sentindo-se representados. “Temos obrigação de fazer nossa parte para transformar o mundo em um mundo melhor, mais acessível e inclusivo.”
Diversidade: desafios profundos
Ações afirmativas nem sempre são vistas de forma positiva. Um exemplo recente foi o programa de trainee do Magazine Luiza voltado apenas para pessoas negras, que gerou críticas e acusações infundadas de “racismo reverso”. Um dos agentes envolvidos nesse processo seletivo foi a 99jobs. Paula Sales, especialista em diversidade da empresa, fala do compromisso das empresas em minimizar as disparidades e aumentar a diversidade.
“As empresas precisam fazer, além de palestras, eventos e fóruns de discussão, participar e patrocinar ações afirmativas de inclusão de grupos de vulnerabilidade social no mercado de trabalho. Faz ações de processo seletivo, de competições de tecnologia, escola de inglês, eventos que contribuam para o desenvolvimento desse grupo no mercado de trabalho, nos processos ou nas suas carreiras. Acho que o que as empresas precisam é ir além dos eventos, além da criação desses debates e realmente colocar a mão na massa”, ela diz.
Na missão de conscientizar empresas e seus RHs sobre diversidade racial, Paula lista três desafios principais: a resistência de gestores, a falta de compreensão da população que não é abrangida pelas ações afirmativas e o questionamento de quem faz parte dessas ações. “Essa população, em muitos momentos, vai se questionar se aquilo que está sendo feito é de verdade, é para reparar, ou apenas uma jogada de marketing da empresa ou pessoa pública que está levantando a pauta”, explica a especialista.
Ela reforça que, antes de a ação ser pública, tem uma preparação interna longa nas empresas, que dura cerca de seis meses. Ainda sobre as barreiras, Paula comenta que há pessoas em cargos de liderança que não veem a diversidade como estratégia de negócio. “Diversificar pessoas traz lucro, rendimento e promove um ambiente mais convidativo.”
Patrick Silva, da Basf, reforça esse pensamento. “Temos certeza de que um ambiente de inclusão, com alta diversidade, traz mais competitividade e inovação, é um processo legal.”
Pesquisas e especialistas atestam que diversidade e inclusão elevam os níveis de felicidade, motivação, comprometimento com a organização e reduz conflitos. Um estudo da consultoria McKinsey mostrou que, na América Latina, empresas com pontuações mais altas no Índice de Saúde Organizacional (banco de dados da empresa) têm probabilidade 59% maior de superar a performance financeira de seus pares. Além disso, as organizações com equipes executivas diversificadas em termos de gênero têm 14% mais probabilidade de superar a performance de seus pares na indústria.
Junto às demais iniciativas de equiparação social da empresa de RH, foi lançado um site direcionado para pessoas brancas com resoluções antirracistas para 2021. Assim, a plataforma rompe com um um discurso comum: “Não somos todos iguais e essa é a nossa maior força!”. A partir de dados sobre as desigualdades em temas como justiça, educação, trabalho e saúde, o material propõe reflexões e oferece dicas de leituras, filmes, séries e personalidades negras para acompanhar. Há ainda uma lista de profissionais negros - como nutricionistas, professores e arquitetos - para estimular a contratação deles.
“A ideia do site é trazer alguns conteúdos educativos e um passo a passo para que pessoas se tornem antirracistas, tenham conhecimento de ações que contribuem para uma sociedade menos racistas”, explica Paula. “São ações práticas do que fazer no dia a dia, como corrigir um colega e incentivar crianças.”
Consultorias auxiliam na produção de materiais
Entre as ações pedidas para ou oferecidas pelas consultorias de diversidade às empresas está a produção de cartilhas. Porém, Letícia Rodrigues, sócia-fundadora da Tree Diversidade, faz um alerta. “Muitos projetos pedem esse tipo de material e a experiência é interessante, mas é preciso entender muito bem para que ele vai ser usado e para quem. Esse é um trabalho que, por si só, não resolve. Tem de ter uma ação em cima daquilo”, diz.
A consultoria também fala sobre o tema ao público geral, com documentos disponíveis gratuitamente no site, como o guia prático de expressões preconceituosas para eliminar do vocabulário e o Guia Temático: Protagonismo Feminino, que traz indicações de livros, filmes e séries que colocam a mulher em evidência.
Na Mais Diversidade, o sócio-fundador Ricardo Sales explica que a consultoria confecciona cartilhas sob demanda com temas variados. “A mais solicitada costuma ser a que trata dos temas de diversidade como um todo, esclarecendo as principais dúvidas e explicando como agir em determinadas situações”, diz. Antes, a equipe entende as necessidades da empresa, entrevista os responsáveis pelo RH e setor de diversidade, considerando aspectos da cultura organizacional e do público envolvido. Para o público em geral, eles disponibilizam o podcast DiversiTalk, que pode ser acessado nas plataformas digitais e no YouTube.
A empresa Newa também auxilia empresas na construção de materiais próprios e podem tanto produzir quanto orientar tecnicamente na produção do conteúdo. No geral, a consultoria atua com diferentes produtos voltados ao mesmo objetivo. A sensibilidade de temas como valorização da diversidade, vieses inconsciente e comunicação empática são oferecidos em formatos de masterclasses e workshops.
Há, ainda, treinamentos de médio impacto sobre liderança consciente e protagonismo feminino, explica Carine Roos, uma das fundadoras. O plano de ação é traçado a partir de um diagnóstico de métricas de diversidade e inclusão para identificar em que nível está a cultura inclusiva da organização.
Fonte: ESTADÃO