Publicado por Redação em Gestão do RH - 23/11/2022 às 10:47:46
Baby zoomers: como engajar a geração que começou a trabalhar na pandemia
Por muitos anos, ingressar no mercado de trabalho era uma experiência tradicional e cheia de rituais e regras de comportamento: chegar à empresa antes do chefe, pensar na roupa certa para causar uma boa impressão e estar de acordo com o ambiente, organizar tudo o que era preciso levar, como documentos e fones de ouvido. E a integração e a adaptação à cultura aconteciam de forma natural, já que todos estavam no mesmo espaço. Olhar para o lado e tirar uma dúvida com o colega de baia ou interagir no almoço e no café do meio da tarde eram práticas comuns. De dois anos para cá, como reflexo da pandemia de covid-19 e as imposições iniciais de distanciamento, uma geração de profissionais não teve essa experiência, já que começou a trabalhar de casa, de forma 100% remota, tendo contato com a equipe e o gestor apenas pelas telas de aplicativos de videoconferência.
Esse grupo vem sendo chamado de baby zoomers, por se referir, em sua maioria, à geração Z, que nasceu entre 1995 e 2010 e está começando agora a carreira. Mas o termo também pode definir aqueles que mudaram de emprego na pandemia e passaram boa parte da nova trajetória profissional interagindo por aplicativos de videoconferência, como o Zoom.
Agora os baby zoomers começam a migrar para o modelo híbrido de trabalho, exigindo dos RHs novas práticas de engajamento, socialização, comprometimento, motivação e adaptação à cultura. “A volta ao escritório ou o convite para que esses jovens tenham rotinas mais regulares pode mexer com a retenção e o engajamento”, afirma a consultora Cristina Fortes, diretora da LHH na Região Sudeste. “As companhias precisam pensar em modelos que viabilizem a mensagem de flexibilidade e de lideranças modernas, com pensamentos alinhados às novas tendências de mercado, pois essa geração não vai se engajar com gestores que atuem, por exemplo, no modelo de comando e controle.”
De maneira prática, o ambiente tradicional dependia muito da proximidade física para o desenvolvimento de relacionamentos, crescimento e difusão cultural. Sem esse contato diário, o trabalho em si vira o mais importante, como explica Vitorio Bretas, diretor de pesquisa e assessoria da Gartner. Nesse sentido, a área de gestão de pessoas deve pensar em como a cultura da empresa está refletida no desenho do trabalho e se está alinhada com os valores e comportamentos. “Antes, o aspecto social pautava muito a satisfação. Era comum, por exemplo, ver profissionais que não gostavam tanto da atividade que desempenhavam, mas valorizavam o relacionamento que tinham no escritório. Agora, isso não é mais possível”, diz. Segundo ele, a proximidade física dá lugar à emocional. Ou seja, o funcionário precisa ser visto de verdade, não apenas como profissional mas também como pessoa.
Empatia em foco
O sentido do trabalho ganhou novos contornos. “As pessoas puderam repensar suas necessidades e o que esperam para a vida e a carreira”, diz a mentora Maria José Tonelli, professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP). Assim, é preciso criar uma nova narrativa corporativa para os profissionais que não têm a referência anterior de modelo presencial, o que demanda não apenas flexibilidade mas equilíbrio, autonomia e relações pautadas por confiança e empatia.
O RH precisa trabalhar para ressignificar o ambiente de trabalho. “É necessário construir um simbolismo diferente na relação corporativa. Sem um processo bem conduzido nesse sentido, os impactos podem ser sentidos na saúde das pessoas, como mau humor, estresse e até adoecimento”, diz Anderson Sant’Anna, também professor da FGV. De acordo com ele, pensar nas práticas ideais nesse cenário implica dar um passo para trás e dedicar um tempo para a questão: qual laço social vai ser importante para determinada função? “Se demandar uma comunicação interpessoal mais direta, com mais negociação e jogo de cintura, talvez seja necessária a presença do funcionário no local por mais dias, pois o laço social tem de ser forte. Se não for o caso, trabalhar à distância mais tempo pode funcionar”, explica. O grande desafio é entender a lógica de quem está chegando. “E isso leva à necessidade de mais diálogo e mobilização de soft skills como empatia e comunicação interpessoal — o que não era a tônica para muitos gestores”, diz Anderson Sant’Anna, também professor da FGV.
De acordo com ele, pensar nas práticas ideais nesse cenário implica dar um passo para trás e dedicar um tempo para a questão: qual laço social vai ser importante para determinada função? “Se demandar uma comunicação interpessoal mais direta, com mais negociação e jogo de cintura, talvez seja necessária a presença do funcionário no local por mais dias, pois o laço social tem de ser forte. Se não for o caso, trabalhar à distância mais tempo pode funcionar”, explica. O grande desafio é entender a lógica de quem está chegando. “E isso demanda diálogo e mobilização de soft skills como empatia e comunicação interpessoal — o que não era a tônica para muitos gestores”, diz Anderson.
Ouvir para personalizar
O primeiro passo é a realização de pesquisas para entender as perspectivas desses funcionários: qual é o melhor modelo de trabalho? O que realmente os faz felizes e mais produtivos? O que impacta na produtividade e no bem-estar? “Essas são algumas questões para investigar e gerar conexões e alinhamento de cultura”, explica Vitorio. Uma pesquisa da Gartner mostra que o modo mais produtivo, para a maioria dos jovens, é o home office. Por outro lado, o menos é o que abarca um excesso de reuniões virtuais. “Cada empresa vai descobrir o seu melhor modelo. Não existe um ideal para todas”, diz Cezar Almeida, professor e MBA do Ibmec e líder da HR tech Yevo.
Nas entrevistas de seleção, os profissionais já perguntam se o trabalho será 100% online ou híbrido. Se for totalmente presencial, desistem. Outro ponto importante é a segurança psicológica. “Recentemente, contratei um talento que pediu demissão de uma grande empresa de tecnologia porque não queria mais viver em um ambiente que vinha causando problemas de saúde mental. Ele teve crise de ansiedade”, diz.
A Schneider Electric Brasil apostou nessas pesquisas para definir o melhor modelo para acolher os funcionários — mesmo à distância — e, assim, gerar conexão. Esse trabalho começou há cerca de dois anos. Entre abril de 2020 e dezembro de 2021, período menos flexível da pandemia, 51% das contratações da empresa foram de jovens da geração Z. Para receber bem essa turma, a companhia desenvolveu ações baseadas em três pilares: New Ways of Working, Smarter Working e Mental Health, e passou a oferecer aos profissionais webinars sobre saúde mental, organização de tempo e ergonomia. Os jovens que ingressam com o programa de estágio ou trainee, por exemplo, contam com ações de conexão desde o onboarding para conhecerem mais rápido a estrutura da Schneider e, assim, formarem suas redes internas de contato. Com a volta parcial ao escritório, a aposta tem sido a ressignificação do ambiente de trabalho. “O presencial está focado, atualmente, na geração de conexão e no compartilhamento de ideias e de experiências”, afirma Clara Araújo Vasconcelos, diretora de recursos humanos da Schneider Electric Brasil.
Entre as ações está uma reunião, a cada trimestre, com o CEO e toda a equipe, para estender o diálogo e falar sobre assuntos como resultados, perspectivas, grandes projetos, o que precisa melhorar e sobre questões de engajamento e pessoas. “A ideia é que todos se sintam parte da empresa e de suas entregas”, diz Clara. Nas demais reuniões, há também o cuidado de iniciar as conversas perguntando como os participantes estão, por meio de fotos que mostram, por exemplo, “feliz”, “com fome” e “cansado”. E para que as relações e o trabalho não fiquem restritos apenas à área de atuação do profissional, a empresa criou a ferramenta Open Talent Marketing, que divulga posições em aberto e a possibilidade de atuar como mentor e em projetos de todas as sedes da empresa pelo mundo. “Queremos quebrar os silos e incentivar que as pessoas se conectem e trabalhem com temas que, não necessariamente, estejam ligados à sua área, o que amplia também as possibilidades de carreira”, diz.
O papel dos líderes
Outro ponto crucial é a atuação do gestor, que deve estar preparado para ouvir genuinamente as pessoas. “A segunda razão pela qual os profissionais deixam o trabalho é a qualidade do gestor, e isso aumentou nos últimos anos”, diz Vitorio, da Gartner. Segundo ele, isso demanda que o RH revise a forma de identificação dos líderes. “Antes era bem comum um gestor ser promovido não por ser um excelente líder, mas pelas entregas e pelo tempo de cargo, mesmo sem habilidade ou interesse para gerir pessoas.” Mas essa lógica precisa mudar, afirma Vitorio.
“Cada vez mais temos tecnologias que apoiam os temas operacionais de gestão. O que não vai ser automatizado é a relação humana, e os líderes do mundo atual precisam saber lidar com as pessoas, estabelecer conexões emocionais e manter conversas individuais constantes”, diz.
Para Anderson, da FGV, é importante que o RH mapeie alguns pontos: o gestor sabe qual é o seu papel daqui em diante? Será que ele tem facilidade para se conectar com todos? Ou está deixando as novas gerações isoladas?
Isso quer dizer que, agora, o líder tem de entender como a pessoa está, como vai organizar o trabalho de casa ou na empresa e de que forma pode ajudá-la. “Cada uma tem seu próprio protocolo. O escritório é um ambiente controlado; uma casa, não, e cada funcionário vai encontrar o seu jeito”, afirma Anderson. Por isso a escuta ativa é tão importante. “Quantas vezes por semana o gestor entrou em contato com esses jovens não só para cobrar resultado mas para saber como eles estavam?”, diz. “É preciso escutar, escutar e escutar para ajudar esse pessoal a construir a própria narrativa até que identifique como vai se vincular com a cultura da organização, e não o contrário.”
Na Deloitte o trabalho tem sido de personalização. “As pessoas são diferentes, e apenas um modelo não funciona mais”, diz Daniela Plesnik, diretora de talento e cultura da companhia. A empresa tem oferecido cursos para a gestão sobre produtividade, importância das pausas e organização de tempo, para que os líderes tenham conhecimento e possam ajudar e ensinar os jovens sobre aspectos da rotina corporativa que eles não vivenciaram. “Eles não presenciaram a parada do cafezinho no meio da tarde, por exemplo, para espairecer e conversar sobre coisas que não se referem ao trabalho”, diz. A companhia também implementou os cafés virtuais, que acontecem uma vez por mês, para falar de temas comportamentais, como as formas de lidar com a frustração.
Integração exige novas ações
No espaço físico, integrar um novo funcionário e ajudá-lo a gerar conexões era mais simples. Além da presença do líder, o profissional podia buscar alguém com quem tivesse mais identificação e tirar dúvidas. No virtual e com poucas idas ao escritório, esse processo fica mais difícil, e é importante que a empresa crie ações para estimular o contato. A Deloitte tem apostado na figura do buddy, ou “camarada”, que não é o líder direto. “A ideia do buddy é ajudar o jovem a se situar na empresa, entender como é a cultura, quais são os processos, como as pessoas engajam, além de qualquer outra dúvida que tenha”, afirma Daniela. Segundo ela, o buddy não precisa ser do mesmo escritório, e sim do mesmo negócio. “É alguém para ser parceiro, aquela pessoa que vai estender a mão e trazer o novato ‘para dentro’ da empresa e da cultura”, diz.
Outra iniciativa é o programa All In, que conta com oito pilares de diversidade e inclusão para estimular as pessoas a se engajar além do trabalho, com grupos com interesses e propósitos afins. “A prática ajuda no senso de pertencimento e na satisfação”, afirma Daniela. Além disso, auxilia nos dias de trabalho presencial, que são estipulados pelos funcionários, sem exigência de dia e horário fixos. “Isso provoca a ida intencional, como para um almoço com um colega do grupo, uma aula, um processo de coaching. Não é ir ao escritório por obrigação, e sim por ter vontade”, explica. Daniela reforça que, se os baby zoomers não estiverem conectados com um objetivo, a ida à empresa, em vez de ser uma experiência prazerosa, será ruim e frustrante.
Fonte: Você RH