Publicado por Redação em Gestão de Saúde - 21/07/2020 às 18:41:36

A indústria da multa na Saúde Suplementar no Brasil



Com a Pandemia o Governo Poderá Flexibilizar as Regras ou Aproveitar para Aumentar o Apetite pela Arrecadação

Fonte: Geografia Econômica da Saúde no Brasil
 

Em uma época em que se discute a eliminação de radares nas estradas, o aumento do número de pontos para perder a carteira de motorista … o assunto “multa em saúde suplementar” é bem oportuno para se colocar em discussão !

A aplicação de multas em operadoras de planos de saúde é um tema tão polêmico como a questão do ressarcimento que as operadoras devem fazer ao SUS pelo atendimento de beneficiários na rede pública de saúde:

·         Alguns alegam que existe excesso de regulação por parte da ANS que não resulta em resultado para os beneficiários, a ponto dos planos de saúde serem “um dos campeões de audiência” no ranking de processos na justiça;

·         Outros alegam que penalizar com multas e suspensões mas permitir que as operadoras infratoras continuem atuando indefinidamente no mercado não traz resultado algum;

·         Outros dizem que não é justo penalizar operadoras por atos e ações que o SUS faz rotineiramente sem nenhuma penalização;

·         Outros desqualificam a ANS como instituição que pode aplicar multas, uma vez que ao contrário da telefonia, energia, transportes … saúde não é uma concessão do Estado, sendo descrita na Constituição como livre para a iniciativa privada;

·         E muitos outros enfoques defendidos por quem está de um lado e do outro da mesa, todos absolutamente antagônicos.

Da minha parte, concordo com todos !!! … e não é uma questão de ficar em cima do muro, mas entender que a Saúde Suplementar, que de “suplementar” nada tem (na prática é substitutiva e não suplementar), só pode gerar “conversas babilônicas”, onde todos têm seu fundo de razão, e ninguém se entende … sempre será assim.

As instâncias de governo (todos os poderes da União, no âmbito Federal, Estadual/Distrital e Municipal) não se cansam de produzir “lambanças em série”, e quem atua profissionalmente no segmento nunca consegue entender a lógica … a lógica das leis, normas e decisões judiciais nestes temas é “não haver lógica”, a não ser as motivações políticas !

(*) todos os gráficos são partes integrantes do estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil – Edição 2020

Este gráfico ilustra bem o que tem acontecido com as multas na saúde suplementar:

·         É a evolução do número de GRU’s (guias de recolhimento para a União) ao longo dos anos, que demonstra como o governo tomou gosto pela aplicação de multas na última década;

·         Não houve crescimento do número de operadoras, nem do número de beneficiários, nem do número de ações judiciais na mesma proporção;

·         Em um universo de menos de 700 operadoras, temos perto de 12.000 GRU’s, ou seja, uma impressionante média de mais de 17 GRU’s por operadora, por ano … mais que 1 por mês;

·         E as GRU’s representam o final da história, ou seja, depois dos processos de contestação por parte das operadoras … a quantidade de notificações é muito maior que esta !

Se a quantidade de GRU’s impressiona, o valor das multas é “de arrepiar”:

·         Após ter ficado na casa do “bilhão” em 2017 e 2018, em 2019 houve retração para 800 k;

·         Quem atua na área de negócios de qualquer empresa sabe: ao onerar um segmento de mercado, seja ele qual for, quem vai pagar a conta é sempre o consumidor final;

·         Faça o que fizer, contabilmente estes valores vão compor as despesas das operadoras que vão repassar para o preço dos planos de saúde, que serão pegos pelas empresas e pelos beneficiários individuais … não existe “muita ciência” neste tipo de conta !

Os gráficos demonstram a evolução da quantidade de GRU’s e do Valor de Multas aplicadas nas operadoras que lideram os topos dos rankings:

·         Os nomes das operadoras estão codificados, porque a intenção aqui é discutir a indústria da multa e não o enquadramento das operadoras à regulação;

·         Nota-se que as posições nos rankings não são as mesmas;

·         Nota-se também que não existe relação direta entre o número de multas e o valor delas. E se os nomes das operadoras estivessem sendo exibidos, seria possível verificar que também não existe relação entre as multas e o número de beneficiários das operadoras, e nem do faturamento delas;

·         Se por acaso o SUS estivesse incluso neste rol de instituições, aplicando-se a mesma regulação da ANS, além de liderar os 2 rankings, “ganharia de lavada” … as multas seriam dezenas de vezes maiores. Para ilustrar: existe multa baseada no tempo de agendamento de exames na saúde suplementar – imagine se tivéssemos isso no SUS, em qualquer localidade brasileira !!!

Estes 2 gráficos demonstram a evolução da quantidade e do valor na operadora que lidera o ranking:

·         Ao contrário do que se pode supor, a operadora não modificou sua estrutura para evitar as multas a ponto de conseguir esta queda;

·         Ela se estruturou de modo a profissionalizar a contestação das penalidades;

·         É isso que ocorre no mundo dos negócios – quem possui melhor estrutura, quem possui mais recursos, consegue lidar melhor com questões regulatórias na retaguarda.

Não existe aí nenhum crime:

·         É o que ocorre por exemplo com quem recorre das multas de trânsito através de um canal profissionalizado … paga para reduzir o impacto da penalização;

·         Mas existe um efeito colateral muito importante: o custo da indústria de multas não pode ser contabilizado apenas pelo valor delas;

·         Ao montar suas estruturas para lidar com isso as operadoras têm despesas administrativas importantes: o custo administrativo/jurídico de uma contestação pode até ser maior que o valor da multa;

·         O custo da “indústria da multa” para o sistema de saúde é muito maior que o “bilhão” !

O que acontecerá no pós pandemia ? … em que apostaríamos ? … o governo, em função do absoluto ineditismo que resultou no cenário da pandemia:

·         Será complacente e afrouxará o rigor das regras que são inadequadas, especialmente em relação aos efeitos do isolamento social e afastamento de profissionais infectados ?

·         Ou vai aproveitar a oportunidade da não adequação das operadoras em relação ao cenário e intensificar a fiscalização ?

A aplicação das penalidades e o cenário que se formou em torno delas realmente é muito discutível. Mas uma coisa não é discutível:

·         Se a operadora é penalizada porque presta um serviço inadequado ao beneficiário (na essência é a isso que se resume a penalização);

·         Por que esta arrecadação não é devolvida ao beneficiário … o prejudicado ?

Ficando a arrecadação com o governo:

·         O sistema “não educa o infrator”;

·         E o beneficiário, na verdade, financia uma arrecadação para o governo !

Um ciclo vicioso em que o único que ganha é o governo, e o maior prejudicado não é a operadora … é o beneficiário !!!


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