Publicado por Redação em Gestão do RH - 08/12/2020 às 12:21:16
A gestão de pessoas que salvou a Kordsa e a tornou uma empresa campeã
A história da Kordsa, vencedora como Lugar Mais Incrível para Trabalhar 2020 na categoria de médias empresas, é um atestado do poder que o clima organizacional tem sobre a eficiência de uma indústria.
A Kordsa é uma indústria petroquímica que produz especificamente reforços para pneus - fios de náilon e poliéster que formam uma malha sob a borracha. Quem já gastou um pneu "até a lona" já viu o produto da fábrica localizada em Camaçari (BA). Mas, em 2010, quem estava completamente desgastada era a própria empresa.
Luiz França, contratado como diretor de RH no final daquele ano, descreve bem a situação: "Os resultados eram ruins, os clientes reclamavam da qualidade dos nossos produtos, os fornecedores reclamavam do nosso planejamento para pagamentos, o turnover era muito alto. Era um momento caótico."
A primeira pesquisa de clima interno de sua gestão mostrou uma empresa em pleno derretimento: o índice de satisfação era de 16%. Apenas 59 pessoas estavam felizes na empresa. As outras 310 queriam dar o fora. "Havia interferência de outras entidades, porque os empregados buscavam ajuda. No sindicato, no Ministério do Trabalho, no Ministério Público. Todos os dias eu tinha visitas indecorosas na minha porta para checar se o meu processo funcionava bem ou não", conta França.
A Kordsa faz parte do segundo maior conglomerado da Turquia, o Sabanci, que mantém indústrias por todo o mundo. E a matriz não estava nada feliz: ameaçava fechar a filial brasileira, no vermelho havia cinco anos. "Em 2012, a gente recebeu o prazo de dois anos para reverter a situação", lembra João Augusto Santos, atual diretor-presidente. Na época, ele havia sido recém-contratado como diretor de manufatura para virar o jogo no principal e mais danificado departamento da empresa.
Segundo Santos, o efeito cascata de falência havia começado com algumas decisões equivocadas de gestão, como a importação de máquinas da Argentina que afetaram a qualidade do produto. Havia pouca margem de manobra. "Não tínhamos nada, e ainda devíamos horrores. Não tínhamos como fazer investimento em equipamentos, até porque a gente passou a ser uma operação questionada globalmente. A única coisa que nós tínhamos eram as nossas pessoas", conta França.
E elas não estavam felizes.
Como fazer milagres e influenciar pessoas
Com a bênção do diretor-presidente na época, Mesut Ada, o primeiro passo de Santos e França foi se desfazer dos cerca de 15 gerentes de nível médio que haviam sido trazidos da Turquia na gestão anterior. "Não que eles fossem ruins", explica Santos. "Mas eles geravam um problema de identidade. Imagine-se no lugar de um operador, e o seu gerente nem fala a sua língua."
Em seguida, era preciso colocar todos "na mesma página". Santos reuniu os operadores e mostrou os números da empresa. Demonstrou os altos níveis de refugo, os baixos índices de produtividade, e os comparou a números de concorrentes e de outras fábricas da Kordsa. "Eu deixei claro: 'Este é o nosso retrato. Se você fosse dono desse negócio, o que você faria?'", perguntou na ocasião, à queima-roupa.
Ele e França sabiam bem o que queriam fazer. Entre 2012 e 2014, o plano que colocaram em prática com o restante da alta liderança foi quase exclusivamente focado em clima organizacional. Primeiro, abriram um programa de sugestões de melhoria para todos os funcionários - receberam de 200 a 300 ideias em um ano. Em seguida, capacitaram todos os engenheiros pela certificação Green Belt, do conhecido método de gestão Lean Six Sigma. Depois, criaram nada menos que 38 grupos de trabalho para propor melhorias em suas próprias áreas, com direito a um prêmio financeiro de cerca de 10% do resultado anual da melhoria.
Uma das inovações sugeridas solucionou um problema de alto consumo de energia que já completava mais de 30 anos de vida. "A gente utilizava vapor nessa área. Esse grupo deu a ideia de tirar o vapor e colocar um sistema elétrico. E a gente teve um ganho de US$ 2 milhões por ano", relembra Santos.
Outra melhoria que partiu dos próprios operadores foi uma engenhoca para facilitar a manutenção de uma máquina. "Antes, precisava içar o equipamento, tinha todo um processo. Os caras olharam para isso e falaram: 'Rapaz, se a gente fizer um carrinho para movimentar o equipamento, é só destravar as rodas na hora da manutenção e pronto. A gente nunca mais vai precisar de todo esse aparato'", conta França. "Isso acelerou a manutenção em vários dias".
Um brasileiro entre os turcos
Assim como um efeito cascata havia colocado a empresa em uma rota de colisão, as melhorias participativas desencadearam um loop positivo. "Inspiração, desenvolvimento, cuidado, agradecimento e celebração", como resume França. Em 2013, a empresa quitou as dívidas e chegou ao break-even. Em 2014, Mesut Ada decidiu que a empresa ficaria em boas mãos com Santos no comando, e se aposentou.
No mesmo ano, os lucros começaram a aparecer, e não diminuíram mais. "Somos hoje uma das mais produtivas do mundo entre as plantas globais, e há dois anos seguidos somos a que tem o melhor resultado financeiro", comemora Santos. Ele é o único diretor-presidente da Kordsa que não é turco. "Fico até sem graça, porque nas reuniões com os outros diretores, eles têm que falar inglês só por minha causa", brinca.
Segundo França, o reconhecimento também acontece na própria planta, e muito por mérito do jeito de Santos. "Ele sai pela fábrica, conversa com todo mundo, ouve as pessoas explicando seus processos. E aí ele traz soluções estratégicas baseadas nesse diálogo frequente", relata. O clima de hoje, segundo ele - e segundo os resultados da pesquisa Lugares Incríveis para Trabalhar - é o oposto de caótico. "As pessoas querem trabalhar com a gente, e quem tá aqui fala muito bem da gente. E isso faz todo o sentido, porque todos querem contribuir para o ciclo de prosperidade".
A fantástica fábrica de poliéster
Segundo França, sua primeira impressão ao adentrar a fábrica da Kordsa naquele fatídico final de 2010 era a de entrar em uma fábrica antiga. "Mas hoje, você entra e sente vida. Os equipamentos são os mesmos - muito pouco mudou. Mas estão todos funcionando bem, a fábrica está limpa, brilhante", descreve. Segundo ele, a melhora do clima é palpável. Uma das primeiras reclamações que recebera quando chegou à diretoria de RH foi justamente sobre as pessoas não trocarem "bom dia" ao chegarem ao trabalho. Hoje, as primeiras horas de turno parecem um grupo de Whatsapp de senhorinhas, com "bons dias" cordiais para todos os lados. Para 34% dos colaboradores, a principal característica da cultura da empresa é o relacionamento: eles consideram o ambiente "familiar e caloroso, onde as pessoas ajudam umas às outras".
Os números comprovam a melhora de clima. Para 97% dos colaboradores, a comunicação interna é clara, rápida e ágil; 96,1% sentem que têm as informações necessárias para o trabalho; e 94,4% têm a sensação de que são importantes no trabalho. Esse último dado é notável em uma indústria, e é a chave do sucesso da Kordsa. "O nosso mercado é essencialmente de commodity. Eu não tenho como espremer lucro, porque o que nós produzimos, os concorrentes também produzem, é muito competitivo", explica Santos. "Então, é preciso ter eficiência, porque qualquer ineficiência vai comer minha margem de lucro. E isso, sim, depende do engajamento dos funcionários. Eles não estão lá só para apertar botão".
E tudo isso sai estampado no recibo ao fim do ano fiscal. A pandemia atingiu em cheio o mercado de locomoção, o que, por tabela, atingiu o setor petroquímico. A Kordsa praticamente zerou suas vendas em abril, sem contar os 20 dias que tiveram que fechar a planta em março e outros 10 em junho. O ritmo só foi retomado a partir de agosto. Já em setembro e outubro, a fábrica bateu dois recordes seguidos de resultado financeiro dos últimos anos.
"Estamos operando a 100%, com uma demanda maior do que podemos suprir. Foi surpreendente. Vamos vender de 10% a 15% a menos do que tínhamos estimado, mas somos a única operação da Kordsa no mundo que já supriu a meta global do ano", anima-se Santos. E completa: "Eu sempre brinco com o França: a gente aprendeu a sair do buraco. Quando a pandemia chegou, todos que trabalham conosco sabiam que a gente ia conseguir, e ficaram tranquilos".
Fonte: UOL Economia